– Você nem mesmo sabe o hebraico! Como se atreve a dizer-me o que a Bíblia diz?
– É verdade, rabino. Eu nunca estudei hebraico – mas vou estudar. Enquanto isso posso usar o dicionário da Concordância de Strong.
– Enquanto isso é “enquanto isso”. Se você não conhece o hebraico, não dá!
Nunca me esquecerei dessas palavras ditas para mim em 1972. Eu era um recém-convertido, um novo crente em Yeshua, com apenas 17 anos de idade. A minha vida tinha sido dramaticamente mudada – e é isso mesmo que eu quero dizer. Havia apenas alguns meses eu tomava heroína, usava enormes quantidades de LSD e vivia numa situação de total abandono. O meu apelido, “Urso Drogado” era bem merecido, e eu era totalmente cheio de pecado, de orgulhoso e era corrupto. Tudo isso acontecia apesar de eu ter tido uma criação típica de judeu conservador, em Long Island, feita por pais muito bem casados e felizes. De fato, meu pai era um advogado muito respeitado que trabalhava como Assistente Jurídico Sênior na Corte de Justiça Suprema do Estado de Nova York.
Meu uso excessivo de drogas não se devia a nenhum distúrbio em meu interior nem a uma busca espiritual. Eu usava drogas porque elas faziam com que eu me sentisse bem! Veja, eu era um adolescente com um certo talento, baterista de uma banda de rock e o que me cativava era a mentalidade que aceitava coisas tais como Woodstock, ter total independência, ficar “chapado”, e “fazer o que quiser”. Eu queria ser como as estrelas do rock! Logo a vida tornou-se uma grande festa.
A Surpresa da Minha Vida
Mas Deus tinha outros planos. Meus dois melhores amigos (o que tocava o baixo e o guitarrista da nossa banda) haviam sido criados em lares que eram nominalmente “cristãos”. Eles não estavam mais próximos de Yeshua do que eu. Mas eles tinham amizade com duas moças irmãs cujo pai era um cristão dedicado, “nascido de novo”, e o tio delas pastoreava uma pequena igreja no bairro Queens, em Nova York. As garotas iam à igreja para agradar o pai delas, e meus amigos iam à igreja para estarem com as meninas, e então eu fui à igreja para fazer com que eles não mais fossem lá. Eu não estava gostando nada das mudanças que eu começava a ver neles!
O que aconteceu? Tive a maior surpresa da minha vida! Naquela pequena igreja encontrei-me com o Deus que eu não estava procurando, e descobri a verdade acerca de Yeshua, o Salvador e Messias, em quem nunca havia crido. Transformei-me! O amor de Deus rompeu com toda a minha resistência, e em resposta às orações feitas em secreto por uns poucos, porém fiéis cristãos, converti-me daquela vida imunda que estava levando.
Meu pai emocionou-se ao ver a mudança. Ele ficou apenas com um problema:
– Nós somos judeus! Agora que você se livrou das drogas, você vai ter que se encontrar com o rabino e voltar para as nossas tradições.
Dessa forma tive que ir conversar com o jovem e erudito rabino, que tinha acabado de tornar-se o dirigente espiritual da sinagoga na qual eu tinha feito o meu bar mitsvá.
Tive que Aprender Hebraico
Eu sabia, e não tinha nenhuma dúvida, que a minha experiência era real, mas como poderia responder as perguntas dele? O que lhe poderia dizer quando ele me disse que a tradução para o inglês da Bíblia que eu estava usando era incorreta, e que, vez após vez, os escritores do Novo Testamento tinham errado na interpretação das Escrituras hebraicas? Ele, sim, podia ler o texto original. Eu não!
Ele ainda fez com que me encontrasse com os rabinos Lubavitcher do Brooklin, ultra-ortodoxos, que eram especialistas em tratar de casos de jovens judeus “desencaminhados”, como eu. De minha parte, eu me alegrava por ter a oportunidade de compartilhar a minha fé com aqueles homens tão sinceros. Além disso, eu lia a Bíblia de dia e de noite, e memorizava centenas de versículos, orava durante várias horas, e até cheguei a persuadir uma testemunha de Jeová judia que sua religião não era bíblica. Mas esses rabinos do Brooklin tinham respostas com que eu nunca me deparara antes. E todos eles sabiam ler e entender o hebraico desde a infância. Eu mal podia lembrar-me da pronúncia de cada letra! E mais, eles tinham a aparência de perfeitos judeus, com suas longas barbas pretas, e tudo o mais. Sua fé parecia ser tão antiga e tão autêntica. E a minha, será que era?
Foi assim que comecei a estudar hebraico na faculdade. Como a minha fé baseava-se na verdade, ela poderia resistir a todo honesto e cuidadoso exame acadêmico. Sendo Yeshua realmente o Messias dos judeus, eu nada tinha a temer. Perguntas sérias mereciam respostas sérias, e eu estava decidido a trilhar a verdade, não importando aonde ela me levasse, não importando as conseqüências.
Pouco a pouco convenci-me de que deveria dedicar-me aos estudos bíblicos de eruditos judeus. Num ano da faculdade tive apenas matérias de línguas, seis para ser exato: hebraico, árabe, grego, latim, alemão e iídiche. Que exaustão cerebral! O que eu queria era eu mesmo ler os textos mais importantes, na língua original, sem a ajuda de ninguém.
Mas a faculdade não era suficiente. Para atingir os meus objetivos, teria que prosseguir nos estudos em pós-graduação. Teria que estudar outras línguas antigas, relevantes em relação às Escrituras hebraicas, tais como o acádio antigo (da Babilônia e Assíria), o ugarítico (de uma cidade importante do norte de Canaã), o aramaico, o siríaco, o fenício, o punico, a língua moabita, e assim por diante. Quando escrevi a minha tese de doutoramento, tinha estudado cerca de 15 línguas, algumas com bastante profundidade, outras superficialmente. Recebi o meu Ph.D. na Universidade de Nova York em línguas do Oriente Médio.
Fundamentos Errados
Quase todas as matérias eram dadas por professores judeus e, durante o curso, eu tinha ainda a oportunidade de fazer algum estudo em particular com vários rabinos. O que aconteceu com a minha fé? Na verdade ela tornou-se ainda mais forte. Quanto mais eu aprendia, mais ainda me convencia de que Yeshua era o Messias que havia sido profetizado, aquele cuja vida, morte propiciatória, ressurreição e volta estavam prenunciadas nas Escrituras hebraicas. Eu tinha respostas adequadas para questões bem sérias!
Descobri também algo inesperado: não era a fé neotestamentária que se baseava em fundamentos errados; os fundamentos do judaísmo rabínico é que estavam errados! Tinha sido o judaísmo rabínico, e não a fé do Novo Testamento, que havia se desviado da Bíblia hebraica.
O judaísmo rabínico nem mesmo declara basear-se numa interpretação literal das Escrituras. Em vez disso, os rabinos dizem que a sua fé é a continuação de uma não quebrada corrente de tradição que vem desde a época de Moisés e dos profetas. Este é um ponto crucial. Como veremos depois, tal corrente não quebrada na verdade não existe.
Com freqüência tenho ouvido rabinos e anti-missionários (aqueles que combatem os missionários cristãos) dizerem – num tom um tanto depreciativo – que sem Cristo não haveria o cristianismo (ou, sem o Messias, não poderia haver o judaísmo messiânico), ao passo que o judaísmo pode existir sem um Messias, por mais importante que tal figura seja no pensamento judaico. O judaísmo, dizem, é a religião da Torá.
É claro, concordo que não poderia haver o cristianismo sem Cristo, assim como concordo que não poderia haver salvação sem um Salvador e não poderia haver libertação sem um Libertador. Isso não apresenta problema algum. A nossa fé baseia-se na pessoa e na obra do Messias.
Mas a verdadeira questão é: em que fundamento se baseia o judaísmo tradicional? O judaísmo, tal como o conhecemos hoje, não é a religião da Torá tanto quanto é a religião da tradição rabínica. Sem a tradição, não poderia haver o judaísmo tradicional; sem os rabinos, não poderia haver o judaísmo rabínico. Isso é muito importante! Para muitos dentre nós, a tradição humana é mais importante do que a verdade bíblica.
Há mais de 20 anos, um rabino ortodoxo me disse que eu lia as Escrituras com óculos cor-de-rosa. Em outras palavras, eu sempre teria um entendimento falho da Palavra, não importando o quão sincero eu procurasse ser. Eu não via com clareza. Minha visão estaria distorcida.
Isso era uma forte acusação, e não a considerei levianamente. Estudei a Palavra sob todos os ângulos possíveis, perguntando a mim mesmo se outras interpretações estariam corretas, desafiando as respostas cristãs típicas com as quais eu tinha familiaridade. Agora, quase um quarto de século depois, posso com toda a honestidade dizer que são os judeus religiosos – apesar de toda a sua sinceridade e devoção – que lêem a Bíblia com lentes coloridas. Eles serão os primeiros a lhe dizer que a Bíblia diz apenas o que os sábios lhes dizem que ela diz.
Quem são eles para contradizerem os grandes mestres judeus do passado? Quem são eles para discordarem dos famosos comentários rabínicos da idade média? Como é que poderiam quebrar as tradições que receberam de seus pais? “No final das contas, o que posso saber? Meu pai aprendeu de seu pai, que aprendeu de seu pai, que aprendeu de seu pai, e assim por diante, até chegar em Moisés. Você está querendo me dizer que eles inventaram? Você esta querendo me dizer que eles foram enganados? Como você pode ousar questionar as nossas sagradas tradições?!”
Dessa forma o mito da corrente não quebrada da tradição, que vai até Moisés, tem impedido muitos judeus de lerem a Bíblia por si mesmos. Este é o ponto central da questão.
A Brincadeira do Telefone Sem Fio
O judaísmo rabínico acredita que Deus deu a Moisés uma Lei Escrita (encontrada na Torá, os cinco livros de Moisés). Mas, dizem-nos, a maioria dos mandamentos da Lei são enunciados com poucas palavras, são afirmações de caráter geral, mais ou menos como os tópicos internos de um capítulo num livro. Precisam ser interpretados. Precisam ser ampliados e explicados. Assim, de acordo com a crença tradicional, Deus deu também a Moisés uma Lei Oral que interpretasse a Lei Escrita. Moisés então a transmitiu aos setenta anciãos da sua geração, que a transmitiram aos profetas das gerações seguintes.
E assim ela prosseguiu, mas com muitos acréscimos. Isso se deu porque, segundo os rabinos, a Lei Oral continuou a crescer, uma vez que em cada geração novas tradições eram desenvolvidas e novas situações surgiam que demandavam novas aplicações da Lei.
Dois séculos depois do tempo de Yeshua, essa Lei Oral achava-se tão volumosa e complexa que teve que ser escrita, para que não viesse a ser perdida (isto é certo, o que era essencial na Lei Oral agora se achava escrito). Isso veio a ser a Michná, que foi ampliada e tornou-se no que veio a ser conhecido como Talmude nos séculos seguintes. Depois disso, de acordo com o que crêem os rabinos, os que estudaram o Talmude continuaram a desenvolver e a transmitir a Lei Oral a cada geração seguinte. Todo judeu religioso acredita de todo o coração que é impossível compreender as Escrituras ou seguir a Lei de Deus sem essas tradições orais.
E o que acontece quando um judeu zeloso é abordado por um judeu que crê em Yeshua? O crente é tido como um novato ignorante, e suas interpretações são totalmente zombadas. “Temos uma tradição não quebrada que vai até Moisés! Como você ousa discordar de nós! Como você pode ousar querer nos ensinar?!”
Sim, a tradição carrega em si um peso muito grande. E ela pode fazer com que as pessoas não pensem por si mesmas. (Acho até jocoso – é o mínimo que posso dizer a respeito – quando os judeus ortodoxos me dizem que eu sofri uma lavagem cerebral!)
Agora você pode compreender melhor por que tantos judeus, com quem os crentes tentam dialogar, a primeira coisa que dizem é: “Tenho que falar com o meu rabino. Ele me dirá o que esse versículo realmente significa. Ele poderá consultar ainda os seus livros.”
Você vê, o judeu rabínico acredita que quanto mais para trás no tempo você vai, mais perto você chega da revelação original do Monte Sinai (é como aquela brincadeira de telefone sem fio passando por um período de 3500 anos). E a tradição do Talmude ensina que, desde os dias de Moisés, temos estado num constante declínio espiritual. Esta é mais uma razão para dependermos das visões das gerações primitivas! Elas estavam mais perto daqueles que receberam a revelação original, e estavam num plano espiritual mais elevado. Eles é que podem nos dizer o significado das Escrituras. E ainda falam que a Bíblia é lida com lentes coloridas!
As Tradições São Verdadeiras?
“Mas” – alguém pode me perguntar – “como você pode ter tanta certeza de que essas tradições não são verdadeiras? Em que você se baseia para dizer que elas não dão a interpretação correta?”
A resposta a essas questões é bastante simples:
1) As tradições assumem uma autoridade que as Escrituras nunca lhes conferiram.
2) Elas põem a voz da razão terrena num plano mais elevado do que a palavra profética do céu.
3) Elas contradizem o claro sentido das Escrituras.
4) Às vezes chegam a contradizer a voz de Deus.
5) Não há evidência bíblica quanto a uma corrente de tradição não quebrada, e há muita evidência em contrário.
Antes de lhe dar alguns exemplos, quero que você compreenda que não se trata de encontrar contradições sem muita importância, ou dificuldades de interpretação. Não. As questões aqui têm a ver com o coração e com a alma do judaísmo tradicional, uma religião que permanece ou que se desmorona por causa de suas tradições.
A pergunta que todo judeu honesto tem de fazer é: “E se a Bíblia num ponto disser uma coisa, e as minhas tradições disserem uma outra coisa? Vou acatar o que Deus diz ou o que os homens dizem?”
Não é que aqueles líderes judeus tenham sido pessoas más e enganadoras. A maioria deles foi zelosa de sua fé. Eles procuraram viver uma vida correta e agradar o Senhor. Mas estavam eles certos? Suas tradições de fato tiveram origem em Deus, ou será que elas se originaram do homem? Vamos ver isso com cuidado. Nenhum dos exemplos a seguir são tomados fora de contexto, de forma alguma. Eles são claros e honestos.
Primeiro vejamos o que o judaísmo tradicional diz a seu próprio respeito. De acordo com H. Chaim Schimmel, um erudito ortodoxo da atualidade, os judeus “não seguem a palavra literal da Bíblia, e isso nunca foi feito por eles. Os judeus foram modelados e dirigidos pela interpretação verbal da palavra escrita...” (H. Chaim Schimmel, The Oral Law: A Study of the Rabbinic Contribution to Torah She-Be-Al-Peh – A Lei Oral: Um Estudo da Contribuição Rabínica à Torá She-Be-Al-Peh – ed. rev., Jerusalém, Nova York; Feldheim, 1987; itálicos acrescidos.)
Como foi dito pelo rabino Z. H. Chajes, uma destacada autoridade do século dezenove, o Talmude indica que as palavras “que foram transmitidas oralmente” por Deus têm “maior valor” do que as transmitidas pela forma escrita. Chajes chega ao ponto de dizer: “A lealdade para com a autoridade da chamada tradição rabínica recai sobre todos os filhos de Israel... E aquele que não aderir à Lei não escrita e à tradição rabínica não tem o direito de participar da herança de Israel...” (Z.H. Chajes, The Student’s Guide Through the Talmud – O Guia do Estudante Através do Talmude – traduzido e editado por Jacob Schater; Nova York; Feldheim, 1960; 4.)
Como uma declaração assim pode ser feita? Os rabinos afirmam que é a própria Bíblia que lhes dá a exclusiva autoridade para interpretar a Torá e desenvolver novas leis. Encontram base para tanto em Deuteronômio 17:8-12, provavelmente o texto mais importante na Bíblia para o judaísmo rabínico. O que este texto diz é:
Quando alguma coisa te for difícil demais em juízo, entre caso e caso de homicídio, e de demanda e demanda, e de violência e violência, e outras questões de litígio, então, te levantarás e subirás ao lugar que o Senhor, teu Deus, escolher. Virás aos levitas sacerdotes e ao juiz que houver naqueles dias; inquirirás, e te anunciarão a sentença do juízo. E farás segundo o mandado da palavra que te anunciarem do lugar que o Senhor escolher; e terás cuidado de fazer consoante tudo o que te ensinarem. Segundo o mandado da lei que te ensinarem e de acordo com o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para a direita nem para a esquerda. O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor, teu Deus, nem ao juiz, esse morrerá; e eliminarás o mal de Israel.
O que Moisés de forma bem clara está dizendo é que em cada geração os sacerdotes levitas e os “juízes” da época em Jerusalém funcionariam como uma espécie de Suprema Corte, uma corte de apelo final, tal como existe hoje em muitas nações por todo o mundo, inclusive em Israel e nos Estados Unidos. Essa corte seria responsável por definir as disputas com respeito a várias questões tais como de homicídios, da lei civil, e de assaltos. É só isso!
O texto não dá autoridade alguma às gerações posteriores de rabinos em todo o mundo (e onde os rabinos são ao menos mencionados neste texto?), nem dá a quem quer que seja a autoridade para dizer a todos os judeus quando orar, sobre o que orar, como abater o seu gado, o que crer quanto ao Messias, o que fazer quando visitar um enfermo, quanto a se pode ou não escrever no dia de sábado, e assim por diante. Nada disso! Contudo, é deste pequeno texto que os entendidos têm obtido tanto poder.
Quanto ao versículo 11, que diz: “Segundo o mandado da lei que te ensinarem e de acordo com o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para a direita nem para a esquerda”, isso de fato foi interpretado pelo comentarista Nachmanides do século treze da seguinte maneira: “Mesmo que lhe pareça estarem eles tomando a ‘esquerda’ como ‘direita’... cabe a você aceitar que o que eles dizem ser a ‘direita’ é a ‘direita’.” Por quê? Porque o Espírito de Deus está sobre eles, e o Senhor não os deixará errar, nem mesmo tropeçar. (Veja Nachmanides em Deuteronômio 17:11 e também o Talmude Babilônico, Baba Batra 12a.)
Essa é uma declaração daquelas! Se os entendidos lhe disserem que a esquerda é a direita, é para você aceitar o que dizem.
Vamos dar mais um passo nesta questão. O que você diz se mil profetas do calibre de Elias e Eliseu lhe disserem que a Torá significa uma coisa, mas mil e um entendidos lhe digam que o significado é outro? A quem você dará razão? Maimônides, o erudito judeu mais influente da Idade Média, é enfático: “A palavra final é de acordo com os mil e um entendidos.” (Veja a introdução de Maimônides a seu comentário sobre a Mishná.)
Sim, o Talmude até mesmo ensina que se o próprio Elias discordasse quanto a uma tradição rabínica ou quanto a qualquer costume das pessoas – não quanto a uma Lei em si, mas simplesmente quanto a uma tradição ou costume das pessoas com respeito àquela Lei – então ele não deveria ser obedecido. (Veja de novo a introdução de Maimônides a seu comentário sobre a Mishná, e também o Talmude Babilônico, Yebamot 102a.)
“Mas”, talvez você diga, “será que não há alguma razão para isso? Não é verdade que devemos obedecer o que a Bíblia diz de forma clara e óbvia, mesmo que qualquer profeta afirme que Deus lhe revelou de outro modo?” É claro que devemos obedecer a Bíblia neste caso. Mas não foi isso o que Maimônides disse. Ele de fato argumentou que mesmo que alguém como Elias sustentasse o que a Bíblia diz de forma clara e óbvia, quando conflitante com a tradição rabínica, a tradição é que teria que ser obedecida.
Desse modo até mesmo um profeta provado, confirmado pelo poder de Deus, e que obedece ao sentido claro das Escrituras tem um peso menor do que a tradição rabínica. E os entendidos, pela maioria de apenas um, sobrepor-se-iam a todos os tais como Elias e Eliseu, com respeito à interpretação da Lei. As coisas estão ficando mais claras agora?
Quem Deve Prevalecer: os Rabinos ou Deus?
Mas a coisa não fica por aqui: uma decisão legal feita pela maioria dos entendidos tem maior peso do que até mesmo a voz de Deus!
De acordo com uma das mais famosas histórias do Talmude (Baba Mesia 59b), houve uma disputa entre o rabino Eliezer, o Grande, e os entendidos sobre se um determinado tipo de forno era ritualmente puro. Ele deu resposta a cada um dos argumentos deles, mas eles recusaram-se a aceitar a decisão do rabino. Este então invocou uma série de milagres para comprovar o seu parecer: se a Lei está de acordo comigo, que então esta carobeira (um pequeno arbusto) se arranque da terra; que este córrego fique seco; que os muros desta casa de estudo caiam por terra. Surpreendentemente, o Talmude ensina que cada um desses três milagres aconteceu, mas mesmo assim os demais rabinos recusaram-se a mudar de opinião.
Finalmente, o rabino Eliezer invocou o próprio Deus para comprovar a sua posição. Imediatamente uma voz veio do céu dizendo: “Por que vocês estão importunando o rabino Eliezer? A disposição legal sempre está de acordo com ele.” Ao que o rabino Joshua exclamou: “Porque não está no céu!” Em outras palavras, como a Torá foi dada no monte Sinai (e portanto não está mais “no céu”), toda decisão legal deve ser feita apenas com base no raciocínio humano e na dedução lógica. Ponto final. Como foi dito pelo rabino Aryeh Leib, uma autoridade em assuntos da lei: “Que a verdade surja da terra. Que a verdade seja conforme os entendidos decidam com a mente humana.” (Veja a introdução do seu Ketzot HaHosen em Hoshen Mishpat em Shullan Arukh.)
Dessa forma, se Deus falar – como foi o que ele fez aqui – os entendidos poderão (e deverão!) emendá-lo caso discordem da interpretação dada por Deus. Qual foi a base para essa posição incrível? O Talmude cita a expressão “inclinando-te para a maioria” que se acha em Êxodo 23:2, e a interpreta dizendo que ela significa : “Sigam a maioria”. Mas o texto diz exatamente o oposto! Apenas leia o versículo inteiro:
“Não seguirás a multidão para fazeres mal; nem deporás, numa demanda, inclinando-te para a maioria, para torcer o direito.”
O sentido é claro: “não seguirás a maioria”. Até mesmo J. H. Hertz, que foi o rabino principal da Inglaterra, escreveu: “Os rabinos ignoraram o sentido literal daquela expressão e a entenderam que, exceto quando for para ‘fazer o mal’, o certo é seguir a maioria. (Dr. J. H. Hertz, The Pentateuch and Haftorahs (O Pentateuco e Haftorás) – Londres, Soncino, 1975, 316. A única verdadeira questão é quanto a como traduzir a palavra hebraica rabbîm neste versículo, se por “muitos” ou “poderosos”. (A passagem talmúdica em Baba Mesia 59b, é claro, tomou a palavra com o sentido de “muitos”– em outras palavras, a maioria.) De qualquer modo, o sentido é impossível de ser contra-argumentado: “Não sigam rabbîm!”) E é isso que tomam como base para negar e desconsiderar a voz de Deus! Um texto que diz “não seguirás a “maioria” foi posto à parte e interpretado como querendo dizer “seguirás a maioria” e, dessa forma, passaram por cima do próprio Deus. Isso é para nos deixar pasmados!
Os Rabinos Podem Alterar a Torá?
Por incrível que pareça, o texto do Talmude diz ainda que Elias mais tarde informou um dos rabinos que Deus se riu do incidente, dizendo: “Meus filhos me venceram!” Falar de “regras da maioria”!
Não apenas é verdade que mil profetas, mantendo o que as Escrituras dizem de forma bem clara, não têm a mínima chance contra mil e um entendidos, mas até mesmo o próprio Deus não tem chance alguma contra dois entendidos que sejam, se estes tiverem uma opinião diferente da de Deus! Você sabia que o poder da tradição e a autoridade humana tinham chegado a tal ponto?
Não é que os rabinos tenham sido arrogantes ou irreverentes. Simplesmente acreditaram que era um dever deles, dado por Deus, interpretar e fazer Leis e, com o tempo, vieram a crer que suas tradições eram sagradas. Chegaram até mesmo a declarar que tinham o direito de alterar as leis da Bíblia, se necessário. Mas qual foi a base bíblica que tiveram para isso? Foi o Salmo 119:126: “Já é tempo, Senhor, para intervires, pois a tua lei está sendo violada.” A isso talvez você diga: “Não entendi. O que este versículo tem a ver com mudar a Lei?” Nada. Mas ele foi totalmente reinterpretado (na verdade, foi totalmente distorcido) para ter o seguinte sentido: “Às vezes, para servir ao Senhor, é necessário desfazer suas Leis.” Isso é brincadeira! (Veja o Talmude Babilônico, Berakot 54a.)
Será de se admirar, então, de que às vezes o Talmude dá crédito aos entendidos quando eles removem por completo um texto bíblico em suas interpretações? (Veja, por exemplo, o Talmude de Jerusalém, Kiddushin 1:2, 59d; o Talmude Babilônico, Sotah 16a, com os comentários de Rashi sobre as palavras ‘oqeret e halakah.) Isso é algo que será bom lembrar da próxima vez que alguém tentar lhe dizer que Yeshua e Paulo livremente iam de um lugar para outro quebrando as leis e alterando-as.
E que texto os rabinos usam para dizer que a própria Bíblia faz referência à Lei Oral? Um versículo chave é Êxodo 34:27:
“Disse mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras, porque, segundo o teor destas palavras, fiz aliança contigo e com Israel.”
Mas o que este versículo tem a ver com a Lei Oral? Absolutamente nada! O contexto referia-se às Leis que deveriam ser escritas por Moisés.
Como foi então que os autores do Talmude encontraram aqui uma referência à Lei não-escrita? Primeiro, eles deixavam de citar o início do versículo (“Escreve estas palavras”). Depois, observaram que a expressão traduzida por “segundo o teor” (“al pî”) era muito próxima da expressão que em hebraico significa “oral” (“al peh”). Desse modo, o versículo foi dado como que dizendo: “Escreve estas palavras, porque, com o testemunho a ser dado acerca destas palavras eu fiz uma aliança contigo e com Israel.” Mas não é isso que o texto hebraico diz, como é evidente em qualquer tradução judaica confiável da Bíblia. Um jogo de palavras é uma coisa; o significado verdadeiro é algo bem diferente.
E como explicar então que Rashi, o maior de todos os comentaristas bíblicos judeus, sustentou o significado tão claro deste versículo de que a aliança tinha por base a Palavra escrita? Ele interpretou “Escreve estas palavras” com o sentido de apenas estas palavras, explicando que “não é permitido escrever as palavras da Lei Oral”.
Desse modo Deus diz: “Escreve!”, mas a tradição diz: “Não escreva tudo!” Deus fez a sua aliança com Israel com base no que foi transmitido de forma escrita; o Talmude diz que a real essência da aliança baseia-se no que foi transmitido de forma oral. E não é de se estranhar que um texto bíblico que claramente enfatiza a Lei Escrita tenha sido utilizado pelo Talmude para referir-se à Lei Oral – tendo como base apenas um jogo de palavras? Que belo exemplo de se apegar a qualquer coisa, “procurando pêlo em ovo!”
A total ausência de qualquer menção à Lei Oral na Bíblia hebraica acha-se em total contraste às freqüentes referências à natureza restritiva da Lei Escrita encontrada por toda a Escritura. Basta ler alguns versículos, como Deuteronômio 31:24-26, para ver isso:
“Tendo Moisés acabado de escrever, integralmente, as palavras desta lei num livro (veja, não houve parte alguma da Lei que Moisés tenha deixado de escrever; ele a escreveu integralmente, do começo ao fim), deu ordem aos levitas que levavam a arca da Aliança do Senhor, dizendo: Tomai este Livro da Lei e ponde-o ao lado da arca da Aliança do Senhor, vosso Deus, para que ali esteja por testemunha contra ti.
Há uma quantidade enorme de outros versículos que dizem a mesma coisa, tais como Êxodo 24:7-8; Deuteronômio 17:14-20; 28:58-59; 30:9-10; Josué 1:8; 23:6; 1 Reis 2:1-3; 2 Reis 22:13; 23:3, 21; 1 Crônicas 16:39-40; 2 Crônicas 30:5; 31:3; 35:26-27; Esdras 3:2-4; 6:18; Neemias 10:28-29; 13:1; e Daniel 9:13.
Eu o incentivo a ler todos esses versículos com todo o cuidado. Onde há neles qualquer menção à Lei Oral? (É possível que um judeu rabínico apontasse para Neemias 8:8, o único versículo que menciona que os levitas esclareciam o que a Lei dizia, quando ela estava sendo lida. Isso significa ou que eles a traduziam a uma linguagem mais compreensível (provavelmente para o aramaico, para os exilados), ou então que lhe explicavam o sentido. Isso era, de fato, o papel dos sacerdotes e levitas: educar o povo na Torá (ver Levítico 10:10-11). Mas, de novo, para se fazer alguma ligação entre este versículo e uma alegada cadeia não quebrada de tradição restritiva é como querer construir uma montanha com a terra de um simples formigueiro inexistente... Ainda, o contexto torna perfeitamente claro que o centro da atenção e da autoridade estava na Palavra escrita, tão somente – conforme a ênfase dada nos numerosos versículos citados. O restante de Neemias 8 também nos mostra que o povo judeu fez o que a Lei literalmente lhes disse para fazer, sem quaisquer acréscimos da tradição ou quaisquer interpretações adicionais. E assim Neemias 8:15 diz que os judeus fizeram o que estava escrito em Levítico 23:37-40. Obviamente eles não tinham a mínima idéia de que o Talmude mais tarde declararia que Levítico 23 não poderia ser compreendido sem todo tipo de interpretações especiais e determinadas tradições. )
E, se há tal corrente com autoridade para interpretar, por que há tantas discordâncias em relação à Lei em quase todas as páginas do Talmude? Daria quase para se dizer que o Talmude consiste de discordâncias e de discussões quanto à interpretação e aplicação da Lei. E por que os comentários rabínicos mais importantes diferem entre si quanto ao sentido de centenas e centenas de versículos bíblicos? Onde está essa autorizada corrente de tradição?
Não, Deus não deu uma Lei Oral a Moisés no Monte Sinai. A primeira menção até mesmo ao conceito de tal tradição oral e restritiva só se deu a mais de 1.400 anos depois de Moisés. E mais, muitos dos grupos judaicos existentes nos dias de Yeshua, tais como os saduceus e os essênios, não acreditavam em nada dessa tradição. Ela era uma doutrina própria dos fariseus. Por quê? Porque foram eles que tinham inventado toda essa idéia de uma corrente não quebrada de uma tradição oral, restritiva, que começara um pouco antes da vinda de Yeshua a este mundo. E, passando eles para a frente a seus sucessores suas tradições exclusivas, as novas gerações começaram a dizer: “Não inventamos tais coisas, nós as herdamos. Elas nos foram passadas por nossos pais. Elas remontam a muitos anos... a muitos anos... pelo que podemos lembrar... até Moisés.” Mas não foi nada disso!
Que a verdade venha a ser contada. Não houve lei secreta alguma dada a Moisés por palavra oral, ou que tenha sido por ele repassada aos profetas e líderes da Bíblia. Na verdade, nossos antepassados às vezes se esqueceram da Lei Escrita (veja 2 Reis 22 como um clássico exemplo a este respeito). Uma Lei Oral, então, não teria tido a mínima chance. E não há sequer um único caso nas Escrituras em que alguém tenha sido punido, repreendido, ou tido como culpado por quebrar qualquer ponto dessa assim chamada tradição restritiva. É porque não havia tal tradição, e portanto não havia o que ser quebrado. Apenas as violações à Lei escrita é que eram consideradas pecaminosas.
A Verdade
Agora é hora de prestarmos atenção à Palavra. A Torá nos diz que onde quer que nós, judeus, estejamos, mesmo espalhados pelo mundo todo, “de lá, buscarás ao Senhor, teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma” (Deuteronômio 4:29). O profeta Jeremias deu a mesma mensagem: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jeremias 29:13). E o livro de Provérbios diz:
“Confia no Senhor de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.” (Provérbios 3:5-6)
Deus não vai decepcioná-lo – se com sinceridade você for em busca da verdade de Deus. Por que não se humilhar e pedir-lhe ajuda? Há espaço para a razão e para uma discussão racional, mas há espaço também para buscar a Deus. As duas coisas caminham de mãos dadas! Mas o Senhor se opõe àqueles que são sábios a seus próprios olhos. Estude a Palavra e busque a Deus. Você não se decepcionará.
Quando Moisés e os profetas não podiam chegar a uma conclusão de como interpretar ou aplicar a Lei, eles oravam e pediam que Deus lhes respondesse. E Deus lhes mostrava o que fazer! (Veja, por exemplo, Levítico 24:10-23; Números 9:1-14; 15:32-36; 27:1-5 e Zacarias 7.) Por que não fazer como eles faziam? Por que querer ser melhor do que Moisés e os profetas e tentar chegar a uma conclusão por conta própria?
Estude, sim, o quanto possa. Mas peça a Deus para abrir os seus olhos ao fazer isso! (Foi precisamente assim que o salmista orou no Salmo 119:18).( Salmo 119:18: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.”) Peça a Deus que lhe guie à verdade.
Não se trata de que os rabinos tenham agido com má fé. Eles realmente acreditavam no que faziam, e com freqüência há muita beleza e sabedoria nas palavras deles. Eles eram totalmente devotados às suas tradições, e através dessas tradições procuraram unir o povo de Israel. Mas, ao mesmo tempo em que as tradições nos têm mantido unidos, o que temos que considerar também é que elas nos têm amarrado completamente!
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